sábado, 11 de abril de 2009

Mundo Perfeito

Ainda o Pós-capitalismo

Enquanto a ordem estabelecida permanece sob a hegemonia do lucro, enquanto o contrato social que rege a maioria das sociedades humanas for fundamentado nos valores do capital, não pode haver 'pós-capitalismo'. E a crítica desarmada da razão pode apenas revelar as dores do sofrimento no mundo. Muitas vezes a cultura contemporânea - mesmo a crítica - que como tudo o mais assumiu a forma de mercadoria, manifesta uma incompreensão dos processos que regem a sociedade.
O que está implícito, a mensagem subliminar de todas essas manifestações é o surgimento de um vazio que as ideologias do capital não consegue mais preencher. O mundo perfeito do futuro da tecnologia, os frutos dourados do desenvolvimento econômico infinito, a noção de progresso continuado em direção ao futuro, a prosperidade material, o sucesso e a felicidade estampados nos cartões de crédito, as férias merecidas nos paraísos alhures. Essas visões do Éden que o capital balançou perante nossos olhos como a cenoura do burrinho estão se desvanecendo e revelando uma paisagem desolada, desumanizada, brutal da realidade contemporânea.
Todos aqueles que viveram - e muitos outros que morreram - embalados por essa utopia de fachada naturalmente sentem desespero com essa visão estarrecedora. Somos como anjos decaídos, arrojados ao abismo por um deus (capital) impiedoso. Não há mais futuro. Tudo se tornou escuro e assustador. Cada um de nós sente uma solidão acompanhada no meio de nossos colegas, amigos e parentes. Estamos emparedados em nossas vidas privadas remendando cacos de nossos sonhos e desejos estilhaçados.
Esse desespero surdo, emudecido, continua servindo aos interesses do capital. Vergar a vontade e o espírito das pessoas para poder coagí-las a aceitar resignadamente todas essas soluções que nunca resolveram problema algum, apenas produziram lucros.
O discurso da crise é tão lucrativo quanto o discurso da prosperidade se se souber onde investir.
Uma outra vida é possível e certamente desejada. Cabe-nos primeiro descobrir em que lugar estamos para podermos traçar uma rota de como chegar lá. Nada mais revolucionário do que não se submeter, do que parar de ouvir o canto de sereia da prometida e nunca realizada utopia do capital.
As coisas mais importantes da vida são as mais básicas. Todos precisamos de alimento, abrigo, agasalho. E também de conforto emocional e espiritual.
Precisamos de amizade, afeto, compreensão, solidariedade. Precisamos de uma relação integrada com o mundo natural do qual somos parte.
O grande questionamento é saber se para viver assim precisamos da mediação das instituições do capital, da bolsa de valores, do dinheiro, do trabalho assalariado, do lucro e da expropriação da natureza. Superar o capitalismo é primeiro sair da atmosfera de sua ideologia, de deixar de acreditar em suas mentiras.
Podemos começar a fazer perguntas contundentes como as crianças costumam fazer:
Por que as coisas tem preços?
Qual a origem dos preços?
Mais adiante:
As coisas precisam ter preço?
Elas deixariam de existir se não tiverem mais preço?
Terão ainda utilidade?
Veremos que as respostas a essas singelas perguntas abalarão as estruturas do mundo.

sábado, 4 de abril de 2009

Rua da Lapa

Sobre o pós-capitalismo

Os movimentos que já foram chamados de "Era de Aquário", "Nova Era", "Terceira Onda" (Alvin Tofler) e outros nomes sonoros tem ganhado força com o avançar das sucessivas crises cada vez mais globais. Emerge uma consciência de que estamos forçando os limites da Terra pela exploração irracional dos recursos naturais, simultaneamente a desestruturação das sociedades pela degradação das relações humanas das quais a mídia é uma das instâncias mais relevantes.
Todos esses movimentos de consciência clamam por um outro modo de vida mais humano, mais solidário, menos destrutível, sustentável, etc.. É consenso que as relações da humanidade consigo mesma e com o ambiente não podem continuar nesta rota de destruição e degradação e deve-se aprofundar o debate, questionar os valores e ações das comunidades humanas em benefício da nossa espécie e do planeta.
Uma parte considerável destes movimentos fala de um "Novo Capitalismo", da correção dos erros e desvios do capitalismo como se este fosse também vítima das crises que se tem acumulado ao longo dos últimos 40 anos (tomando como marco histórico o Maio de 68).
Propostas para reformar o capitalismo sobre outras bases mais éticas, humanas, solidárias - em uma expressão amansá-lo - corrigindo seus supostos desvios, como a crise financeira especulativa, estão na ordem do dia e tem tomado o tempo de muitas pessoas de boa fé.

Mas temo que muito do que se escreve sobre isso tem uma carga razoável de ingenuidade uma vez que deixa-se de perceber que o próprio capitalismo produz essas crises, produz simultaneamente riqueza e miséria, tecnologia e poluição, cultura e ideologia. O entendimento da verdadeira natureza do capitalismo, que requer uma boa dose de teoria, revela a impossibilidade de qualquer reforma ou refundação deste modo de produção que alcançou seus limites neste início de século.
A economia fundada na propriedade privada dos meios de produção, na produção de bens para o mercado, da exploração do trabalho assalariado, com o objetivo último da realização do lucro está na raíz de todas as crises comtemporâneas que se manifestam em múltiplas esferas da vida. Essas crises são as muitas faces de uma mesma realidade, o esgotamento do projeto do capital iniciado há mais de 500 anos. O capitalismo cumpriu sua missão histórica dentro do amplo movimento das civilizações humanas, de trazer ao mundo a capacidade técnica e científica de transformar a natureza, de libertar os homens do trabalho brutal e degradante, desevolvendo a capacidade produtiva da civilização. Todas as conquistas alcançadas pelo desenvolvimento do capitalismo estão ameaçadas pela crise maior e menos vísivel do próprio capitalismo que não tem mais os meios de gerir as forças que ele mesmo libertou.
Por exemplo, o desemprego estrutural, resultado do investimento intensivo de tecnologia na produção, não pode ser solucionado pelo endividamento crescente dos consumidores. Quem não tem emprego não pode consumir apesar da capacidade crescente de produção instalada em todo o mundo exigir novos mercados. Um dos problemas mais agudos é o desemprego e a paralização desta capacidade produtiva pela desorganização do mercado financeiro como estamos assistindo hoje. Como conciliar desemprego e consumo? Não há uma solução para esse problema dentro da lógica do capitalismo. A criação artificial de mercados consumidores como foi o caso dos EUA nos últimos 30 anos cobra agora sua fatura. A migração dos empregos industriais da América do Norte para os sudeste da Ásia, razão do sucesso da China principalmente, criou um vácuo de renda efetiva que foi compensado pelo endividamento das famílias norte-americanas. Enquanto as bolhas especulativas se sucediam as dívidas podiam ser administradas e o consumo via endividamento mantido. Com o desinflar da última e maior das bolhas, a hipotecária, a precariedade resultante da desindustrialização veio a tona. O problema manifesto na crise financeira causado pelo excesso de dinheiro (ativos) e dívidas não pode agora, com se está propondo, ser solucionado com mais dinheiro e dívidas! Não se pode resolver essa situação com mais do mesmo.

A intoxicação da sociedade como produto paralelo da atividade capitalista está contaminando todas as dimensões da vida sobre o planeta. Essa intoxicação se manifesta como poluição, degradação ambiental, degeneração das relações interpessoais, como ativos financeiros e violência, como propaganda ideológica e deformação midiática. E muitas das instituições que encontramos hoje na nossa paisagem social perderam sua função e razão de existir. Qualquer sobrevida dada a elas significa perpetuar a toxidade e decadência que está em curso. Propriedade privada, Dinheiro, mercadorias, lucros, mercado e emprego são instituições sobre as quais se estrutura a sociedade contemporânea e são fundamentos da ordem capitalista. Questionar a validade destas instituições e de outras que lhes são derivadas como a mídia convencional - ideologia do capital - é colocar em perspectiva um novo projeto de civilização.

A internet abre uma janela de oportunidade para o debate do que fazer daqui em diante para a superação dessa sociedade em ruínas, contornando a barreira ideológica da grande mídia que insiste em justificar o 'status quo' do insustentável.
Devemos descer aos fundamentos da Terra para reconstruir nossa sociedade com as poderosas ferramentas que o capitalismo desenvolveu. Cabe-nos perceber que precisamos dessas ferramentas mas não mais do capitalismo. Temos que separar aquilo que vamos levar para o futuro de nossos descendentes daquilo que precisamos deixar para trás porque obsoleto e prejudicial.