terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Crise de realização da mais-valia.

Advertência:

O exposto abaixo é a síntese linear de fenômenos não necessariamente lineares. Todos os movimentos do capital, seus ciclos e crises,
avanços e retrocessos, foram linearizados para revelar o processo subjacente que conduz a evolução histórica do capitalismo. Foram também abstraídas as influências políticas, culturais, aspectos conjunturais e especificidades que, ao contrário de clareá-lo, na maior parte das vezes, o embaralham.


O capital esgotou sua capacidade de extrair a mais-valia em escala ampliada. Não era mais possível, dado o nível técnico alcançado pelas forças produtivas, a extração da mais-valia para o total dos capitais existentes no final da década de 60. A Atividade produtiva sempre foi o locus da acumulação de capital pela exploração deste do trabalho assalariado. Os excedentes assim gerados na forma de lucros eram reinvestidos na ampliação da capacidade produtiva ou no estabelecimento de novos ramos de negócios. Cada novo ciclo de investimentos aperfeiçoava e aprofundava o grau tecnológico das plantas industriais mais intensivas de capital e menos de mão-de-obra. A escala de produção e a produtividade cresceram continuamente produzindo mais lucros e mais excedentes que por sua vez procuravam novas oportunidades de investimento. Ao mesmo tempo aumentava a relação entre o volume do investimento e a quantidade de postos de trabalho produtivo criados por este investimento. Ou seja, quanto maior o capital invertido menor a quantidade de empregos gerados por unidade monetária. Posto de outra forma, o preço da criação de cada novo emprego é sempre maior que no ciclo anterior. Assim, a base de trabalho assalariado empregado produtivamente sobre a qual o capital extrai a sua valorização vem encolhendo historicamente.

A ampliação da escala de produção promove a expansão da produtividade, ou seja, reduz o custo de produção por unidade produzida mantendo os preços das mercadorias competitivos frente aos concorrentes. E ganhos de produtividade se traduzem em aumento da quantidade de unidades produzidas por homem/hora empregado. Digamos que na década de 80, a indústria automobilística no Brasil produzia 1,6 milhões de unidades empregando 800 mil trabalhadores. Quase 30 anos depois esta mesma indústria produz 3 milhões de unidades empregando 300 mil trabalhadores. A produtividade saltou de 2 unidades por homem para 10 unidades. O volume de produção aumentou em termos absolutos enquanto a quantidade de postos de trabalho encolheu também em termos absolutos. O capital investido na produção de automóveis deve agora gerar seu lucro sobre uma base de trabalho assalariado mais estreita. A produtividade cresceu porque cresceram o grau técnico e o volume de capital fixo do investimento. Em contra partida, a massa de salários desse mesmo ramo de atividade diminuiu mesmo que os salários tenham recebido uma parte dos ganhos de produtividade. Assim, mesmo que os salários tenham aumentado seu poder de compra, tomados individualmente, certamente não cresceram na proporção de compensar a redução da massa de salários promovida pela destruição dos 500 mil postos de trabalho do nosso exemplo. O processo que provoca essa cadeia de eventos, racional do ponto de vista dos capitais individuais, estabelece o limite histórico no qual o capital como um todo não encontra mais os meios para a realização da mais-valia e portanto do lucro. Uma produção ampliada em escala - escala agora mundial - que a cada ciclo de investimento desemprega em escala crescente o trabalho assalariado se choca com a retração do número de consumidores assalariados no mercado capaz de demandar esse volume de mercadorias. Para quem vender essa produção ampliada se a quantidade de empregos e seus respectivos salários estão encolhendo?

A reprodução do capital se dá no ciclo produtivo pela transformação do capital monetário em mercadorias e pela venda destas no mercado retornando novamente à forma monetária acrescido de um adicional, o lucro. Sem passar pela mediação da circulação das mercadorias, o capital fica impedido de realizar sua função única que é sua reprodução ampliada, sua valorização. O volume excedente de capital historicamente acumulado não encontra mais investimento produtivo sem prejudicar a eficiência marginal dos capitais já investidos. De outra maneira, cada nova unidade de capital invertida na produção tende a derrubar as margens de lucro dos capitais como um todo porque amplia a oferta de mercadorias e conseqüentemente provoca a queda de seus preços unitários.
Uma forma encontrada pelo capital de compensar a redução dos lucros provocada pela maior proporção de sua porção constante foi ampliar a taxa de extração da mais-valia de sua porção variável, investindo em países onde a mão-de-obra é (ou era) quase gratuita, como é o caso da China e da Índia. O efeito dessa migração do capital produtivo para esses países foi a desindustrialização parcial e a destruição destes empregos nos países centrais.

Financeirização - última etapa.

A abundância destes excedentes de capital sem emprego produtivo inundaram os mercados financeiros globais expandindo fortemente a oferta de crédito, principalmente crédito para consumo. Desse modo, foi possível sustentar os níveis de demanda da produção ampliada pelo endividamento dos consumidores que é o caso presente da economia norte-americana. Mesmo com o desemprego industrial crescente, foi possível gerar empregos pelo financiamento de atividades
não produtivas como serviços financeiros, comercio varejista, serviços pessoais, etc. A circulação intensificada do crédito abundante permitiu a muitas empresas não mais competitivas uma sobrevida no mercado pela troca progressiva de sua atividade principal em direção à especulação financeira. A reciclagem do crédito permitiu ganhos financeiros para cobrir os prejuízos da atividade produtiva. Vendia-se dinheiro através do financiamento das mercadorias. Muitas empresas criaram seus próprios bancos e cartões de crédito que eram mais rentáveis que suas atividades principais. Mesmo que operacionalmente essas empresas fossem deficitárias, os resultados da atividade financeira compensavam esses prejuízos.
A convergência da financeirização do excedente de capital com a precarização do emprego industrial nas economias desenvolvidas gerou as bolhas de endividamento e especulação em espiral ascendente. O lucro fictício substituiu o lucro real nos balanços com a criação artificial de moeda. A expansão da moeda se descolou totalmente da produção real de riqueza. Foi uma nova corrida do ouro, só que dessa vez ouro dos tolos.
A solução, se houver, passa necessariamente pela destruição do excedente do capital financeiro, destruição da moeda escritural criada artificialmente nos últimos 30 anos, em prejuízo de seus detentores - os especuladores. Ou então ocorrerá a destruição das estruturas reais de produção com danos catastróficos para a maioria das pessoas.

De qualquer forma, o capital atingiu seu limite histórico, esgotado pelo seu próprio desenvolvimento, impedido de continuar sua reprodução pelas mesmas forças que ele colocou em movimento. A produção social e a satisfação das necessidades humanas devem, de agora em diante, se fundamentar sobre outra base que não a forma mercadoria e o lucro. A capacidade técnica para a solução da maioria dos problemas já está dada, resultado histórico do desenvolvimento do capital. A degradação ambiental, a pobreza e a miséria, as doenças e a ignorância só podem ser enfrentadas se o paradigma de suas soluções não for o dinheiro, o mercado e o lucro. Ou então estaremos todos condenados ao trabalho de Sísifo, empurrando a pedra do capital até o topo da especulação só para vê-la desabar novamente sobre nós.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Economistas de Praia.

Você está sentado na praia. Começa a observar as ondas, os padrões que elas formam, como mudam com o vento e as fases da Lua. Ainda aprende a relacionar essas mudanças com o calendário. As ondas sobem e descem, em maior ou menor escala, mais rápidas ou mais lentas. Você começa a fazer os gráficos desses movimentos e a partir deles previsões sobre o comportamento futuro do mar. Você fica feliz com o conhecimento que você adquiriu desta maneira astuciosa. Resolve então registrá-lo em um livro que acaba fazendo, para sua surpresa, um grande sucesso.
Você passa a ser consultado pelas pessoas que querem de algum modo tirar proveito prático de seus conhecimentos sobre o mar. Você se tornou um especialista no assunto. Os pescadores vêm consultá-lo, o pessoal do ramo de hotelaria quer saber os melhores pontos da praia para investir, até mesmo os ambulantes vêm conversar com você. Enfim, uma celebridade.
Então, sem qualquer aviso, impossível de ser previsto até mesmo por você, o especialista, um maremoto atinge e destroça a praia e todos aqueles que seguiram seus conselhos. E você, atônito mas vivo porque nesse dia não estava lá, foi chamado a dar explicações sobre o "fenômeno". Você vai tentar esclarecer aquilo baseado em suas observações. Ficará o resto de sua vida dando satisfação sobre o que nunca foi capaz de compreender. Você não sabia nada sobre a formação das correntes marítimas - poderosas e invisíveis - ou sobre geologia do fundo do mar. Tudo o que você sabia se resumia a uma coleção de observações sobre os movimentos superficiais das águas oceânicas. Seu empirismo se contentava em relacionar os fenômenos ondulatórios apreendidos à beira-mar.
Você sem querer acabou entrando para um grupo chamado de "Economistas de Mercado", cheio de gente que, como você, se especializou na análise cientificamente rigorosa das marés e marolas.
Assim como você, jamais compreenderam que o Mar tem uma História resultante de forças imensas, incontroláveis e muitas vezes invisíveis para quem fica na somente na areia.
Continuarão dando suas explicações superficiais mesmo depois de o Sertão virar Mar e o Mar virar Sertão. Vão pregar no deserto somente porque lá também tem areia, esperando que um dia o mar volte com suas ondas e reconstitua a praia.
Fim da historinha. Começa a História.
Nem todos os economistas leram o Capital. Só os inteligentes.