A crise ambiental, a
crise energética, a crise social, a crise econômica, a crise
financeira, a crise moral, todas estas crises, são fenômenos
derivados da grande crise que é o desarranjo energético da
sociedade da mercadoria, que por sua vez é uma crise da humanidade e
da biosfera.
As formas sociais que esta sociedade assume
escamoteiam em grande medida esta crise de maior amplitude que é o
desarranjo energético da biosfera por uma de suas espécies, a
nossa, mas não do planeta.
Aqui devemos separar
ambos pois se a biosfera é dependente da existência do planeta, o
inverso não é verdadeiro. A história geológica da Terra está
relacionada com a história da vida sendo esta um processo
superficial e acessório de certos fenômenos geológicos.
A história do planeta
é a história de seu resfriamento até o limite extremo do total
congelamento do núcleo em um futuro distante. A Terra está
esfriando e assim continuará movendo continentes, gerando cadeias de
montanhas e vulcões até o esgotamento da sua energia interior.
A biosfera se ocupa de
interferir marginalmente neste processo planetário seguindo os
ritmos ditados pelos ciclos astronômicos e suas variações, pela
crescente irradiação solar e pela entropia errática do núcleo do
planeta. Dentro deste quadro, a biosfera é secundária e permanecerá
enquanto esta condições maiores estiverem presentes, nos termos de
sua sustentação. Há um fluxo médio de energia que deriva destas
condições e a vida tem variado e se adaptado às mudanças deste
processo, mesmo que não isento de sobressaltos e ameaças de
destruição. A extinção da imensa maioria de todas as espécies
vivas é testemunho disto. Não há espécies melhores ou piores.
Há apenas espécies sobreviventes destes acidentes de maior
escala.
Isto posto, onde se situa a humanidade neste cenário?
As sociedades humanas
ainda são construções materiais, concretas e objetivas, produtivas
e degenerativas energeticamente, da história da ignorância de uma
espécie humana que emergiu apenas recentemente da inconsciência
gregária dos mamíferos. E assumem uma forma de patologia
anti-natureza no impulso de sua perpetuação.
A patologia se manifesta porque estas sociedades também são construções culturais e abstratas, que refletem e projetam a ignorância das condições materiais que lhes sustentam e das quais se originaram.
O que talvez seja mais humilhante ainda, frente a
presunção de nossa inteligência autoconsciente – porque há
muitas outras inteligências inconscientes – é que talvez venhamos
a ser apenas mais um experimento falho a se somar a extensa lista de
espécies extintas.
A biosfera não
comporta a humanidade tecnológica nos termos impostos pela sociedade
da mercadoria que produz, em última instância, lixo, resíduos de
uma entropia acelerada. Os ciclos naturais não suficientes para
tratar desta sobrecarga artificial que se acumula no ambiente.
É a crise da sociedade
da mercadoria que é, por sua vez, a crise da humanidade vista como
uma desarranjo energético. Uma aceleração da entropia natural do
ambiente.
A produção do lucro
requer a existência de uma máquina produtora e consumidora de
mercadorias que nos absorve e nos isola em suas entranhas, e que aumenta o consumo das reservas
energéticas muito acima da sua capacidade natural de recomposição.
A Sociedade da acumulação e do lucro é uma crise em si mesma deste
ponto de vista.
A mobilização de recursos na biosfera para a
(re)produção desta sociedade doentia, desta “febre”, assume um
aspecto ainda mais patológico quando move estas engrenagens em
benefício não apenas uma espécie, mas em benefício de pequenos
grupos ou mesmo espécimes particulares desta espécie. O lucro e a
riqueza pessoal dentro desta sociedade é o ápice e o vértice mais
visível – e contraditoriamente reforçado culturalmente - de toda
esta profunda disfuncionalidade destruidora.
Somente uma espécie
doente pode produzir uma sociedade doente. E somente uma sociedade
doente pode produzir tantas patologias metafísicas ao ponto de
conferir supremo valor mítico e mistificado de um simulacro de sua
natureza, representados e enfeixados numa abstração:
O
indivíduo, versão semi-deificada do membro alfa do bando.
O presente estado das
sociedades da mercadoria se traduz também em um roubo do futuro, via
desarranjo ambiental, quebrando por antecipação o ritmo natural dos
ciclos do ambiente.
Ao aumentar
geometricamente a população humana através do consumo e produção
de mercadorias, realizado por máquinas que usam energia fóssil em
ritmo e escala muito maiores que as que ocorrem naturalmente, estamos
trazendo para o tempo presente os que deveriam nascer, dados os
processos energéticos da biosfera, no futuro. Estamos antecipando as
gerações e com isso estamos acelerando a nossa extinção quando
desarranjamos a biosfera.
A sociedade da acumulação em sua
reprodução também acumula uma enorme quantidade de resíduos e
lixo. A manutenção desta ordem social se reverte em desordem
acelerada do seu entorno, para além de suas fronteiras.
No modo atual como
estabelecemos e organizamos nossas sociedades produtoras de
mercadorias neste planeta, tornamo-nos ameaça à biosfera e a nossa
própria sobrevivência.
Caso insistamos neste caminho,
certamente a biosfera prevalecerá.
Já sobreviveu a crises
maiores que as que eventualmente possamos produzir. O inverso ainda
não é verdadeiro e provavelmente nunca será.